A memória permanece turva e descubro as milhas sonâmbulas coroadas sobre os ombros.
Sem forca nem baioneta,
Mas de frente
Com tudo o que resta.
Porto MMXVII
A memória permanece turva e descubro as milhas sonâmbulas coroadas sobre os ombros.
Sem forca nem baioneta,
Mas de frente
Com tudo o que resta.
Porto MMXVII
Ali
Mesmo ali , quando os ramos brotam em continência
Contra um tecto que não existe
Que trespassam
E arranham barreiras
em viagens às Luas proibidas
que anunciam monções de seiva
e armam o solo aos pés
a erguer estátuas equestres
de peito e escape
como a mota
em último fôlego
contra o arame farpado
perdido na falsa paisagem transalpina
daquele quarto de pensão da Prata
Como o deliquente arcano
de gargalhada lacrimosa
num templo em chamas
a erguer lençois hasteados
de uma pátria clandestina
feita a dois.
Como a chapada de um Deus-Mar
A explodir na espuma
E o bafo de uma asa
Que migra
alimenta
e não desiste
Como num dia
A noite
E o dia a seguir
Num duelo necromântico
A borrifar vida
em cenas de crime
e a fazer da ruína
um jardim em cascata daninha
indomável
a tornear corrente magnética
e vícios de choque
que deflagram ninfas luminosas
a segredar as tábuas científicas
para Verne
quando conspirava um Raio Verde.
Ali, Ana
Mesmo ali
Está o nosso beijo.
Dar e receber
em vaivém
lover not a fighter
logo na nuca
contra o poste
raspado pelo corredor
à defesa
aos encontrões a tudo
ou em par
a sacudir o ninho
das vespas
de mal a pior
levar o estalo
pra acordar
e ver,
as estrelas
num murro
cuspir o dente rachado
pôr o bife na cara
meia pele
meia crosta
encolher o estômago
para a lâmina apontada
a zumbir à queima-roupa
e aprender
e resistir
e derrotar a toalha
a língua amordaçada
aos dentes
no rugido
e fúria
que abafa o contra-ataque
e aguenta a bronca.
Respira
se houver fundo,
e nesse fundo
anula a estocada
o torniquete andaluz
a bastonada turca
a roleta
dos lanhos
dos vidros
e toda a tortura cultivada
servida num prato frio
que ninguém papa.
Essa pontaria na jugular
Essa marca no esterno
A veia na axila
Serão esquecidas numa cerveja
Com rodadas para amanhã
Dentes por trocos
Põe tudo no prego
E paga com a outra face
Dentes por trocos
E pensa no pequeno sorriso desdentado
Contra-picado aos teus olhos
Que ela te traz
E as suas pequenas mãos,
Quando descansam nas peles
da besta,
Aninhada,
junto ao fogo das noites
e ao Sol dos dias.
Porto MMXVII
Tem rosto
E veias em fissura
que desistiram de pulsar
Na meia barba de verdete
alguma louça resistiu aos Outonos
num estado fóssil
com cacos a cairem
arritmicamente a seus pés
como bombas em miniatura
entre equinócios e solestícios
Pintada de assinaturas
espirrada de erros, piças e corações
onde pela esquerda
alguns gritos de guerra
fuzilados à queima-roupa
terminam à direita
até ao cano torrado
que cospe a conta-gotas
para uma mancha quinada
em mijo antigo
feito canteiro silvestre pelo chão
Encostaram-na de fodas
fumo comprado e vendido
Está em derrocada
mas já caiu
pelo menos para mim
Porto | MMXV
Quando as margens do firmamento
Trespassam dias e noites
Quando o sal do corpo seca
num profundo mergulho catatónico .
Quando tudo nos escapa
e escapamos juntos.
Nada será o mesmo.
A repetição não deve obedecer
a terreno neutro.
Que se forneça vida então
Mesmo ao refúgio das miríades históricas
do bem e do mal
Entre o instrumento e a sepultura
no elevar
no apodrecer
Estarei aqui
Num sopro
Em movimento
Porto | MMXV
Artistic residency at Sonoscopia, Porto. 1st to 6th February 2016.
Videograma de animação 2D recorrendo às pranchas originais da Graphic Novel “Terminal Tower” com colaboração dos próprios autores André Coelho e Manuel João Neto , tendo sido apresentado a 4 de Outubro de 2014 durante o Amplifest.
Sobre a Graphic Novel:
Terminal Tower teve um processo criativo entre o artista e o escritor fora da lógica da banda desenhada – em que há um argumento para ser adaptado para desenho em sequência. Assim sendo, as ideias do livro foram sendo construídas em simultâneo pelos dois autores, tendo como premissa a de um homem isolado numa torre em estado de alerta.
Partindo dessa torre, Coelho foi criando alguns desenhos que despoletaram ideias narrativas e que potenciaram outros desenhos que por sua vez geriam as indefinições das narrativas que rodeiam esse contexto, numa espiral criativa.
A ideia central do livro é o delírio engatilhado pela paranoia, sem que se perceba se o despertar dos mecanismos da torre é real ou se existe apenas na cabeça do homem isolado na torre, pois nada parece funcionar, tudo parece uma ruína do futuro em que se cruzam referências decadentes aos universos de Enki Bilal, J.G. Ballard (1930-2009) e da música Industrial – não tivessem os dois autores ligados a esse tipo de música através do projecto.
Video by Augusto Lado.
Music by Alberto Lopes, Gustavo Costa and Henrique Fernandes.
Commissioned by Museu Internacional de Escultura Contemporânea / Câmara Municipal de Santo Tirso.
Premiered at MIEC, Santo Tirso on the 21st May 2016.