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V | A Carne do Pescoço

A memória permanece turva e descubro as milhas sonâmbulas coroadas sobre os ombros.

 

São dragonas de estrias lanhadas no corpo ora dilatado ora amortecido por licores e alquimias artilhadas à distância de um braço e que se fizeram à goela, mas sempre a honrar o brinde que não prevê deuses nem demónios jogadores.

 

É um pescoço

 

Que não se abriga em manuscritos nem em câmaras góticas.

 

É um pescoço

 

e nele uma garganta escamada por mais de mil quilómetros de asfixias.

 

Que raspa a corda

 

Pulsa quando grita.

 

Recolhe os segredos adentro
a esmurrar para fora

Sem forca nem baioneta,

 

Mas de frente

 

Com tudo o que resta.

 

 

Porto MMXVII

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IV | Luas e Delinquentes Arcanos

Ali
Mesmo ali , quando os ramos brotam em continência
Contra um tecto que não existe
Que trespassam
E arranham barreiras
em viagens às Luas proibidas
que anunciam monções de seiva
e armam o solo aos pés
a erguer estátuas equestres
de peito e escape
como a mota
em último fôlego
contra o arame farpado
perdido na falsa paisagem transalpina
daquele quarto de pensão da Prata

Como o deliquente arcano
de gargalhada lacrimosa
num templo em chamas
a erguer lençois hasteados
de uma pátria clandestina
feita a dois.

Como a chapada de um Deus-Mar
A explodir na espuma
E o bafo de uma asa
Que migra
alimenta
e não desiste

Como num dia
A noite
E o dia a seguir
Num duelo necromântico
A borrifar vida
em cenas de crime
e a fazer da ruína
um jardim em cascata daninha
indomável
a tornear corrente magnética
e vícios de choque
que deflagram ninfas luminosas
a segredar as tábuas científicas
para Verne
quando conspirava um Raio Verde.

Ali, Ana
Mesmo ali
Está o nosso beijo.

Porto | MMXVII

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III | Encaixar

Dar e receber

em vaivém

lover not a fighter

logo na nuca

contra o poste

raspado pelo corredor

à defesa

aos encontrões a tudo

ou em par

a sacudir o ninho

das vespas

de mal a pior

levar o estalo

pra acordar

e ver,

as estrelas

num murro

cuspir o dente rachado

pôr o  bife na cara

meia pele

meia crosta

encolher o estômago

para a lâmina apontada

a zumbir à queima-roupa

e aprender

e resistir

e derrotar a toalha

a língua amordaçada

aos dentes

no rugido

e fúria

que abafa o contra-ataque

e aguenta a bronca.

Respira

se houver fundo,

e nesse fundo

anula a estocada

o torniquete andaluz

a bastonada turca

a roleta

dos lanhos

dos vidros

e toda a tortura cultivada

servida num prato frio

que ninguém papa.

Essa pontaria na jugular

Essa marca no esterno

A veia na axila

Serão esquecidas numa cerveja

Com rodadas para amanhã

Dentes por trocos

Põe tudo no prego

E paga com a outra face

Dentes por trocos

E pensa no pequeno sorriso desdentado

Contra-picado aos teus olhos

Que ela te traz

E as suas pequenas mãos,

Quando descansam nas peles

da  besta,

Aninhada,

junto ao fogo das noites

e ao Sol dos dias.

 

Porto MMXVII

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II | Res Derelicta

Tem rosto

E veias em fissura
que desistiram de pulsar

Na meia barba de verdete
alguma louça resistiu aos Outonos
num estado fóssil
com cacos a cairem
arritmicamente a seus pés
como bombas em miniatura
entre equinócios e solestícios

Pintada de assinaturas
espirrada de erros, piças e corações
onde pela esquerda
alguns gritos de guerra
fuzilados à queima-roupa
terminam à direita
até ao cano torrado
que cospe a conta-gotas
para uma mancha quinada
em mijo antigo
feito canteiro silvestre pelo chão

Encostaram-na de fodas
fumo comprado e vendido

Está em derrocada
mas já caiu
pelo menos para mim

 

Porto | MMXV

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I | Lunário

Quando as margens do firmamento
Trespassam dias e noites

Quando o sal do corpo seca
num profundo mergulho catatónico .

Quando tudo nos escapa
e escapamos juntos.

Nada será o mesmo.

A repetição não deve obedecer
a terreno neutro.

Que se forneça vida então
Mesmo ao refúgio das miríades históricas
do bem e do mal

Entre o instrumento e a sepultura
no elevar
no apodrecer

Estarei aqui
Num sopro
Em movimento

 

Porto | MMXV

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Terminal Tower

Videograma de animação 2D recorrendo às pranchas originais da Graphic Novel “Terminal Tower” com colaboração dos próprios autores André Coelho e Manuel João Neto , tendo sido apresentado a 4 de Outubro de 2014 durante o Amplifest.

 

 

Sobre a Graphic Novel:

Terminal Tower teve um processo criativo entre o artista e o escritor fora da lógica da banda desenhada – em que há um argumento para ser adaptado para desenho em sequência. Assim sendo, as ideias do livro foram sendo construídas em simultâneo pelos dois autores, tendo como premissa a de um homem isolado numa torre em estado de alerta.
Partindo dessa torre, Coelho foi criando alguns desenhos que despoletaram ideias narrativas e que potenciaram outros desenhos que por sua vez geriam as indefinições das narrativas que rodeiam esse contexto, numa espiral criativa.
A ideia central do livro é o delírio engatilhado pela paranoia, sem que se perceba se o despertar dos mecanismos da torre é real ou se existe apenas na cabeça do homem isolado na torre, pois nada parece funcionar, tudo parece uma ruína do futuro em que se cruzam referências decadentes aos universos de Enki Bilal, J.G. Ballard (1930-2009) e da música Industrial – não tivessem os dois autores ligados a esse tipo de música através do projecto.

 

 

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Sonoscopia | Terrain Vague

 

Video by Augusto Lado.
Music by Alberto Lopes, Gustavo Costa and Henrique Fernandes.
Commissioned by Museu Internacional de Escultura Contemporânea / Câmara Municipal de Santo Tirso.
Premiered at MIEC, Santo Tirso on the 21st May 2016.